Reabrir a linha do Douro até Barca d’Alva custa apenas 43 milhões de
euros, mas são necessários mais 119 milhões do lado espanhol. Investimento é
justificado pelo turismo, pelo minério de Moncorvo e por colocar o porto de
Leixões mais perto de Espanha.
Um estudo da Infraestruturas de Portugal, a que o
PÚBLICO teve acesso, dá por adquiridos os investimentos já previstos pela
empresa para a linha do Douro e que contemplam a eletrificação até à Régua, mas
acrescenta-lhes a prossecução da modernização até ao Pocinho e a reabertura da
parte restante até Barca d’Alva, que foi encerrada em 1988.
Mais: o estudo da gestora de infraestruturas abrange
também o troço espanhol desde Barca d’Alva até La Fuente de San Esteban (a 57
quilómetros de Salamanca), onde passa a linha internacional de Vilar Formoso
para o País Basco e França.
Do lado português, reconstruir os 28 quilómetros da
linha Pocinho – Barca d’Alva custa 43 milhões incluindo a sua eletrificação (ou
30 milhões se não for eletrificada) e do lado espanhol o investimento estimado
situa-se entre os 87 e os 119 milhões de euros, consoante a linha seja para
comboios a diesel ou elétricos. Para ambos os troços há a possibilidade de
obter fundos comunitários ao abrigo do programa comunitário Interreg.
Para fundamentar estes investimentos, o documento
refere que “a reativação da ligação internacional permite enquadrar a linha do
Douro entre dois importantes polos geradores de tráfego e dotados de
infraestruturas de transporte relevantes”: o aeroporto Francisco Sá Carneiro e
o terminal de passageiros de Leixões de um lado, e a estação de Alta Velocidade
de Salamanca. Entre estes pontos “surge um eixo turístico de excelência,
constituído por quatro destinos classificados pela UNESCO como Património da
Humanidade: Porto, Douro Vinhateiro, Gravuras Rupestres do Vale do Côa e
Salamanca”.
Nos últimos anos tem vindo a crescer a procura de
passageiros na linha do Douro para fins turísticos, a par da dos cruzeiros
fluviais, que não se limitam à Régua, seguindo também a Barca d’Alva.
No que toca às mercadorias, a Infraestruturas de
Portugal refere o potencial deste corredor ferroviário para o escoamento do
minério de Moncorvo, não só para Leixões (como está previsto), mas também para
as plataformas industriais e logísticas de Castela-Léon através de Barca
d’Alva.
O estudo apresenta ainda a abertura desta ligação
internacional como a melhor solução para as mercadorias do porto de Leixões
chegarem a Espanha e à Europa, dado que encurta a viagem (de ida e volta) em
menos 220 quilómetros do que pela linha da Beira Alta. Uma solução que tem
ainda a vantagem de evitar fazer passar o tráfego de mercadorias de Leixões
pelo sobrecarregado troço Ovar – Gaia na linha do Norte.
O plano de investimentos ferroviários apresentado em
Fevereiro do ano passado prevê, no entanto, a construção de uma linha nova
entre Aveiro e Mangualde que custa 677 milhões de euros. O projeto foi chumbado
por Bruxelas porque a análise custo-benefício era negativa, mas o governo vai
voltar a candidatá-lo a fundos comunitários.
Aplauso autárquico
“Do ponto de vista comercial [a reabertura da linha]
seria absolutamente extraordinário”. Carlos Guerra, consultor da MTI – Ferro de
Moncorvo, não poupa nos adjetivos: “seria fabuloso porque há grandes
siderurgias espanholas no norte de Espanha, nomeadamente em Gijón, e isso
permitia-nos escoar o minério por um caminho mais curto”.
A empresa que tem a concessão das minas de Moncorvo
tem previsto transportar parte do minério por comboio até Leixões e, para já,
estando apenas prevista a eletrificação da via férrea até à Régua, Carlos
Guerra diz que já veria com bons olhos que a modernização prosseguisse até ao
Pocinho.
Gustavo Duarte, presidente da Câmara de Foz Côa, diz
que concorda plenamente com as premissas deste estudo da Infraestruturas de
Portugal, até porque o seu concelho é o único no país que tem dois patrimónios
da UNESCO: o Douro Vinhateiro e as gravuras rupestres. Acrescenta-lhe o Centro
de Alto Rendimento do Remo e de Canoagem do Pocinho, “que é considerado um dos
melhores do mundo” e que só ganharia com uma maior acessibilidade. “A
reabertura da linha seria a cereja em cima do bolo para esta região”, disse ao
PÚBLICO, acrescentando que tem insistido junto de vários governos e em reuniões
com espanhóis que se alocassem fundos do programa Interreg para este projeto
transfronteiriço.
Em sintonia, está, naturalmente, o diretor do Museu de
Foz Côa, Martinho Baptista. “Sempre defendi a reabertura desta linha que passa
mesmo em frente ao museu e onde há ainda a antiga estação. Para nós haveria
todo o interesse pois permitia-nos receber mais visitantes do Porto e de
Espanha”, disse.
Matilde Costa, em representação da Barcadouro, Rota do
Douro e Tomaz do Douro (empresas especializadas em cruzeiros de um dia no rio
Douro) recorda que já em 2009 houve uma “assinatura festiva” de um protocolo
entre a Estrutura de Missão do Douro, a Refer, a CP a CCDRN e o IPTM na
presença da atual ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, à data secretária de
Estado dos Transportes. O objetivo era reativar a linha do Pocinho a Barca
d’Alva, “mas não passou das boas intenções”.
No entanto, considera que um tal projeto deve ser
“viabilizado pela Infraestruturas de Portugal e pelo governo como medida
estruturante para a região”.
A Douro Azul, o principal operador turístico fluvial
do Douro, não quis prestar declarações ao PÚBLICO.
Contactada a Medway (antiga CP Carga), fonte oficial
da empresa respondeu que “obviamente, tudo quanto seja criar facilidades de
comunicação ferroviária, leia-se infraestruturas, com Espanha, merece o apoio
da Medway, na medida em que potencia o seu negócio”.
Mas o mesmo não respondeu a sua concorrente Takargo.
“Na perspectiva pura das mercadorias, haveria que verificar quais os tráfegos
que utilizariam esta saída para Espanha”, diz Miguel Lisboa, daquela empresa.
“E haveria que ver se há alguma expectativa de reabertura do lado espanhol
porque sem continuidade do outro lado, isto não faz sentido”. O administrador
diz que, para o seu negócio, é mais importante que se façam de vez as obras de
modernização das linhas do Minho e da Beira Alta e se construa o Évora – Caia.
Levar o suburbano a Amarante
Enquanto
ramal da linha da Douro, o troço de 13 quilómetros de via estreita entre
Livração (concelho de Marco de Canavezes) e Amarante, foi também alvo de um
estudo sumário com vista à sua reconversão em via larga e inserção na rede de
suburbanos do Porto.
Aquela linha
foi encerrada em 2009 para ser reabilitada, mas as obras nunca tiveram início,
ficando a infraestrutura abandonada. O documento da Infraestruturas de Portugal
diz que “a reconversão em via larga do troço Livração – Amarante não apresenta
grandes dificuldades técnicas e permite encurtar a distância para cerca de 10
quilómetros”. Obriga, no entanto, à construção de 750 metros de túneis e 250
metros de viadutos, bem como de uma nova estação na cidade. O investimento
previsto é de 37,5 milhões.
Um outro
antigo ramal de via estreita foi também objeto de atenção prospetiva. Parte da
velha linha do Sabor, entre Pocinho e Carvalhal (23 quilómetros) poderá ser
reconstruída para transporte de minério das minas de Moncorvo, ligando-se assim
diretamente à linha do Douro. O documento refere que a baixa velocidade ali
permitida devido à sinuosidade do traçado não é um problema porque se
destinaria a comboios de mercadorias. E que a própria pendente (naquele troço a
linha sobe do nível do rio Douro ao planalto mirandês) também não o é visto que
os comboios subiriam vazios e desceriam carregados. Trinta milhões de euros é o
investimento estimado, necessariamente comparticipado pelas próprias minas de
Moncorvo.
Fonte: Público