Nas últimas quatro décadas, o comboio tornou-se no
parente pobre dos transportes em Portugal e dos sucessivos governos, apoiados à
esquerda ou à direita. Deixaram de ser explorados mais de mil quilómetros em
linha férrea e os comboios mais modernos em circulação já contam com
praticamente 20 anos. Os problemas sentidos pelos passageiros no Verão do ano
passado e a mais urgência climática trouxeram a ferrovia para a ribalta dos
programas eleitorais.
Das mais de duas dezenas de partidos ou coligações
candidatos às legislativas de 6 de outubro, quase todos incluíram os comboios
no programa e com muito mais referências do que ao autocarro, ao barco e ao
transporte individual.
O Dinheiro Vivo apresenta-lhe as propostas de 14 partidos
para a área dos transportes públicos, com destaque para quatro tópicos: o
investimento na infraestrutura; a aposta no comboio de alta velocidade; a
construção da terceira ponte sobre o Tejo; e ainda a aposta na expansão dos
metropolitanos de Lisboa e Porto.
Reabertura de linhas vs.
novos troços
Em 1979, Portugal contava com a exploração de 3588
quilómetros de linha férrea, segundo os números da Pordata. Ao longo dos
últimos 40 anos, os comboios deixaram de passar em 1075 quilómetros, depois do
encerramento de linhas, sobretudo no interior do país. Bragança, Vila Real e
Viseu foram os distritos que perderam a ligação de comboio.
Boa parte dos partidos está empenhado em recuperar as
linhas, até mesmo o PS, que fala no “reforço das ligações de fronteira” e quer
comboios em todas as capitais de distrito. Os socialistas querem concluir no
próximo mandato o plano Ferrovia 2020, que já conta com vários anos de atraso.
Mas os partidos que apoiaram a solução de Governo nos últimos quatro anos são
os mais ambiciosos nesta área.
O Bloco de Esquerda pretende investir na “requalificação
de todas as linhas ferroviárias de acesso a Lisboa e Porto”, num esforço de mil
milhões para a próxima década e que contará com o apoio de fundos comunitários.
A compra de 50 novos comboios suburbanos para a CP, no valor de 400 milhões de
euros, também está incluída no programa eleitoral.
A CDU (coligação PCP-Os Verdes) defende a “modernização e
reabertura de linhas e ramais” de norte a sul do país. Propõe-se ainda a
hipótese de construir novas linhas “dotadas de travessas que permitam a mudança
para bitola europeia quando justificável pela evolução futura do lado
espanhol”. Estas obras, se necessário, “devem contar com financiamento público,
com recurso prioritário a fundos comunitários e ao BEI – Banco Europeu de
Investimento”, detalha a coligação em resposta às questões do Dinheiro Vivo.
Na linha da direita, o PSD admite “considerar um plano de
migração da rede para bitola europeia, articulando com a política ferroviária
espanhola”. A bitola europeia tem uma distância entre carris inferior à ibérica
e foi generalizada por toda a Europa, exceto na Península Ibérica.
O CDS-PP defende o reforço da ferrovia com a aposta em
quatro eixos: Norte/Centro – ligação Porto/Salamanca; Sul/Sines – corredor
internacional para ligar o aeroporto de Lisboa e plataformas logísticas a
Madrid, com passagem por Sines e Setúbal; Algarve – possibilidade de um eixo
interior; e Eixo Atlântico – faixa litoral de norte a sul do país.
O PAN defende o “reforço da ferrovia nas ligações de
Sines e Lisboa a Espanha, de modo a reduzir o tráfego aéreo e rodoviário”.
Também como substituto do transporte aéreo, o Livre
defende a “melhoria da rede ferroviária em todo o País através da eletrificação
e renovação do material circulantes permitindo a eficaz utilização para
passageiros e carga”. Esta aposta deve estar enquadrado no Green New Deal, a
proposta das Nações Unidas para o investimento em opções ambientalmente
sustentáveis.
Tal como o PSD, o R.I.R defende a aposta numa linha em
bitola europeia, neste caso, entre o Porto de Sines “e um complexo de logística
a criar no Interior do país. O partido liderado por Vitorino Silva entende
ainda que é necessário “reativar linhas consideradas potenciais para turismo ou
transporte de mercadorias no interior do país”.
O PCTP/MRPP também quer que Portugal tenha a primeira
linha ferroviária de bitola europeia, num troço que “assegure a ligação entre
Sines a Lisboa, Aveiro, Porto e Vigo”. Esta linha deve ter uma “derivação de
Aveiro para o centro e o norte da Europa que respeite a via tradicional dos
emigrantes, isto é, Vilar Formoso”.
O Iniciativa Liberal prefere apostar na construção de
novas linhas e nelas investir entre 1 e 1,5 mil milhões de euros por ano. Este
partido defende um plano ferroviário “que assegure sempre que possível que
todas as capitais de distrito se posicionem a, no máximo, 2h30 de Lisboa e/ou
Porto”.
O MAS defende que todas as capitais de distrito devem ter
comboio e que as obras necessárias “ seriam financiadas através do cancelamento
das PPP nos vários sectores de transportes”. Este movimento defende ainda a
melhoria do serviço Alfa Pendular e Intercidades.
Alta Velocidade, o TGV à
portuguesa
Ninguém usa a sigla TGV nos programas eleitorais mas o
comboio de alta velocidade voltou a ser tema nos transportes em Portugal. Pelo
menos seis partidos fazem referência ao comboio que pode atingir uma velocidade
máxima de 250 km/h.
O PSD admite que é necessário “estudar, planear e
projetar uma nova ligação nacional Sul-Norte em alta velocidade, em bitola
europeia, com as respetivas ligações à fronteira e à Europa, preparadas para
tráfego de passageiros e mercadorias, e com ligação a portos, aeroportos e
centros de logística”.
A CDU é o outro partido com deputados eleitos que defende
esta opção, na ligação entre Lisboa e Porto – como complemento à linha do norte
– e entre Lisboa e Caia.
Ainda fora do Parlamento, o Iniciativa Liberal defende
que é necessário “investir fortemente na linha do Norte visando a sua
acomodação para comboios de alta velocidade”. Só que esta linha deverá ser
operada por privados “caso entenda existir mercado para esse serviço”.
O Nós, Cidadãos retoma o acordo assinado entre Portugal e
Espanha na cimeira ibérica da Figueira da Foz de 2004: troços Lisboa-Madrid,
Porto–Vigo, Aveiro-Salamanca e Faro–Huelva. O comboio de alta velocidade também
está incluído no programa eleitoral do PDR.
O MAS entende que o TGV “deverá ser vocacionado para as
ligações internacionais entre as principais cidades nacionais e estrangeiras,
como forma de substituir o transporte aéreo”.
A Terceira Ponte: Com
comboios, talvez sem carros
BE, CDU e PDR são os três partidos que mais apoiam a
construção de uma terceira ponte sobre o rio Tejo, embora com propostas um
pouco diferentes entre si.
Os bloquistas entendem que esta terceira travessia deve
ser exclusivamente ferroviária, entre Chelas e o Barreiro, e deve servir para
passageiros a mercadorias. Os comunistas entendem que a nova ponte, também
entre Chelas e Barreiro, poderá ser utilizada por comboios e automóveis. O PDR
defende a nova ponte, com opção rodoferroviária mas admite dois cenários:
Chelas-Barreiro ou Chelas-Seixal.
A expansão dos
metropolitanos
Além dos comboios mais pesados, os programas eleitorais
incluem várias medidas para crescer o transporte por metropolitano nas áreas
metropolitanas. Vamos comparar as propostas do Bloco de Esquerda, CDS/PP e PAN.
Para Lisboa, o BE defende um investimento de 680 milhões
de euros na próxima década com o prolongamento da linha amarela do Rato para
Alcântara e respetiva ligação à linha de Cascais; o aumento da linha vermelha
para Campolide, Amoreiras, Campo de Ourique, Ajuda e Algés; prolongamento da
linha amarela para Loures e ainda o crescimento da linha verde de Telheiras
para a Pontinha. O partido recusa a opção pela linha circular.
Ainda na capital, o CDS/PP também recusa a linha circular
e admite menos prolongamentos. Os centristas defendem que a linha vermelha deve
terminar em Algés e interligar a estação do Aeroporto à estação do Campo
Grande; a linha verde chegar à Pontinha; a linha azul deve ter uma derivação
para a estação de comboios de Benfica. O PAN sustenta que o Metro de Lisboa
deve chegar aos concelhos de Loures e Sintra e ainda à zona ocidental da cidade.
No Porto, o Bloco quer investir 450 milhões de euros numa
nova linha entre a zona ocidental do Porto e Matosinhos; e na expansão do
serviço para Gondomar. O CDS/PP acompanha a proposta do BE e acrescenta a
ligação até à Trofa. O PAN defende que este metropolitano chegue à Trofa e
Valongo.
Na margem sul do Tejo, o BE defende que o metro chegue ao
Seixal, Barreiro, Moita, Alcochete e Montijo, num investimento de 280 milhões
de euros. O partido liderado por Catarina Martins defende ainda três novas
linhas circulares na Área Metropolitana de Lisboa e um sistema de tram-train
(metro ligeiro compatível com ferrovia pesada) na Área Metropolitana do Porto.
Concorrem às eleições legislativas de 6 de outubro um
total de 21 partidos ou coligações. Nem todos os partidos têm programas
eleitorais disponíveis ou responderam ao desafio lançado pelo Dinheiro Vivo no
dia 20 de setembro.